A maior diversidade de USplantas do mundo
Botânicos registram 46 mil espécies e identificam
em média 250 por ano no Brasil
Revista
Pesquisa FAPESP
Podcast:
Rafaela Forzza
Depois de sete anos de trabalho, um grupo de 575
botânicos do Brasil e de outros 14 países concluiu a versão mais recente de um
amplo levantamento sobre a diversidade de plantas, algas e fungos do Brasil,
agora calculada em 46.097 espécies. Quase metade, 43%, é exclusiva (endêmica)
do território nacional. O total coloca o Brasil como o país com a maior riqueza
de plantas no mundo – a primeira versão do levantamento, publicada em 2010,
listava 40.989 espécies. Esse número não vai parar de crescer tão cedo porque
novas espécies são identificadas e descritas continuamente em revistas
científicas. Em média, os botânicos apresentam cerca de 250 novas espécies por
ano.
Os cinco artigos detalhando a
segunda versão da Lista de espécies da flora do Brasil foram publicados
em dezembro do ano passado na Rodriguésia, do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro (JBRJ), como forma de prestigiar a revista, que completou 80 anos em
2015. Dali também brota um alerta para as perdas contínuas de variedades únicas
de plantas. Enquanto o levantamento era feito, um grupo de botânicos
identificou uma espécie nova de bromélia com uma inflorescência vermelha, a Aechmea
xinguana, em uma área de mata já coberta pela água do reservatório da usina
de Belo Monte, em construção no norte do Pará. “Alguns exemplares dessa espécie
foram resgatados e estavam na casa de vegetação do reservatório, mas as
populações naturais se perderam na área alagada”, disse Rafaela Campostrini
Forzza, pesquisadora do JBRJ e coordenadora do levantamento.
O trabalho não terminou. Neste
mês de março os especialistas em cada grupo de plantas devem começar a incluir
as descrições, distribuição geográfica detalhada e outras características de
cada espécie no banco de dados on-line Flora do Brasil
(floradobrasil.jbrj.gov.br) para servir de base para o Flora do Brasil Online,
que deve estar concluído até 2020 para integrar o World Flora Online, com
informações sobre todas as plantas conhecidas do mundo. Na trilha dos
botânicos, os zoólogos se organizaram e apresentaram também em dezembro de 2015
a primeira versão do Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil (CTFB), resultado
do trabalho de cerca de 500 especialistas, que começaram a detalhar as
informações sobre 116.092 espécies, a maioria artrópodes, com quase 94 mil
espécies ou 85% do total (fauna.jbrj.gov.br/fauna/listaBrasil).
Planta feminina de Gnetum leyboldii do
Parque Estadual Cristalino, no Mato Grosso, uma das seis espécies de Gnetum da
Amazônia: o que parece frutos são na verdade sementes
Elaborado a pedido do Ministério
do Meio Ambiente, com financiamento do governo federal, instituições privadas e
fundações estaduais como a FAPESP, o Flora do Brasil indica que a Amazônia
abriga a maior diversidade do grupo das plantas sem frutos e com sementes
expostas, as gimnospermas, que predominaram de 300 milhões até 60 milhões de
anos atrás, quando os dinossauros circulavam pela Terra. Seus representantes
mais conhecidos são árvores em formato de cone típicas do clima frio do sul do
país, como a araucária, com uma única espécie no Brasil, e quatro espécies de Podocarpus.
Dispersas nas matas da região Norte, porém, vivem seis espécies de cipós de
folhas largas do gênero Gnetum, que crescem sob o clima quente e úmido
ao redor de árvores. Suas sementes vermelhas ou lilases são tão parecidas com
frutos que já confundiram até os botânicos.
Rhipsalis flagelliformis, espécie
de cacto exclusiva do Rio de Janeiro
Os quase 50 mil exemplares de
espécies nativas colocam o Brasil como o país con-tinental com maior
diversidade de espécies do mundo, seguido por China, Indonésia, México e África
do Sul. Em número de espécies endêmicas, perde apenas para grandes ilhas como
Austrália, Madagascar e Papua Nova Guiné, cujo isolamento favorece a formação
de variedades únicas, e para apenas uma área continental, o Cabo da Boa
Esperança, na África do Sul. O total de espécies não chega aos 60 mil das
estimativas mais otimistas, mas é maior que o da Colômbia, antes vista como o
país da América do Sul com maior diversidade, e é mais que o dobro das 22.767
espécies descritas na monumental Flora brasiliensis, coleção de 15
volumes e 10.367 páginas escrita por 65 botânicos de vários países sob a
coordenação de Carl Friedrich Philipp von Martius, August Wilhelm Eichler e
Ignatz Urban, e publicada de 1840 a 1906.
Na Flora brasiliensis, o
grupo predominante, com 32.813 espécies, são as plantas com sementes protegidas
por frutos carnosos ou secos, as chamadas angiospermas. Nesse grupo estão as
árvores como o ipê e o jacarandá, a roseira e outras espécies ornamentais, o
feijão, o amendoim, o milho e a maioria dos vegetais usados na alimentação.
Somente de feijões, pertencentes aos gêneros Vigna, Canavalia e Phaseolus,
a flora brasileira registra cerca de 30 espécies nativas e naturalizadas, “a
maioria delas com um potencial para a alimentação humana ainda pouco
investigado”, comentou Vinicius Souza, professor da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) que
participou da produção e organização das informações desse trabalho.
As angiospermas se espalharam
quando o clima se tornou quente e úmido, depois da extinção dos dinossauros. As
mudanças do clima eliminaram a maioria das gimnospermas, hoje raras em todo o
mundo: os botânicos encontraram apenas 30 espécies, sendo 23 nativas, desse
grupo no Brasil. Por sua vez, as samambaias e as licófitas – plantas sem
sementes e sem flores, que se reproduzem por esporos, também com origem antiga
– estão representadas por 1.253 espécies no Brasil; algumas delas atingem
20 metros de altura, lembrando as variedades gigantes que marcavam a paisagem
terrestre há 300 milhões de anos.
Alegria e inquietação
Os botânicos agora convivem com a
satisfação de ver mais uma etapa do projeto concluída e, ao mesmo tempo, uma
desagradável inquietação, porque eles sabem que a distribuição geográfica das
coletas de amostras de plantas, sobre as quais o trabalho foi feito, não era
equilibrada: havia muito mais informações sobre as regiões Sul e Sudeste, onde
se concentram as coletas, os grupos de especialistas e as instituições de
pesquisa, do que nas outras partes do país. Enquanto no Rio de Janeiro havia
5,8 coletas por quilômetro quadrado (km2) e no Espírito Santo, 3,9
por km2, no Pará e no Amazonas essa relação era de 0,10 e 0,17 por
km2.
Provavelmente por causa do número
de coletas aquém do desejado pelos botânicos, o estado do Amazonas aparece em
terceiro lugar entre os estados com maior diversidade, seguindo Minas Gerais,
em primeiro, e Bahia. Os botânicos não estão satisfeitos com esse resultado.
“No Amazonas poderia haver pelo menos mais 20 mil espécies ainda não
amostradas”, disse Souza.
São Paulo encontra-se em quarto
lugar de diversidade. Além de ser um espaço bastante percorrido por expedições
botânicas, o estado apresenta uma variedade de relevos, com planícies a oeste e
montanhas a leste, e de tipos de vegetação que favorecem a formação de novas
espécies. “Tanto as formações vegetais de clima frio que vêm do sul quanto as
de clima quente, como o Cerrado, param em São Paulo”, disse José Rubens Pirani,
professor do Instituto de Biociências (IB) da USP (ver tabela).
“Infelizmente, mantivemos a
distorção do trabalho de Von Martius, que coletou principalmente na Mata
Atlântica, Caatinga e Cerrado e andou pouco pela Amazônia”, comentou Rafaela.
“Precisamos de um plano nacional de mapeamento das espécies de plantas da
Floresta Amazônica para resolver o problema da subamostragem do maior bioma
brasileiro, que representa metade do território nacional.”
Em aclimatação na capital paulista: flor e fruto de
Euphorbia attastoma, cacto endêmico da serra de Grão Mogol, MG, com
látex fosforescente
Elaborado com informações
mantidas em herbários e em bases on-line como o Reflora, atualmente com
1.390.218 registros de plantas nativas (ver Pesquisa FAPESP nº 229), o levantamento
apontou a Mata Atlântica como o bioma com maior diversidade de angiospermas,
samambaias, licófitas e fungos, em razão de coletas mais numerosas e da
variedade de altitudes, climas e latitudes. Em segundo lugar está a Amazônia e
em terceiro, o Cerrado.
“Ainda estamos longe dos
prováveis números reais”, observou Souza. “Quanto maior o número de coletas por
região ou estado, maior o número de espécies.” Uma evidência de sua afirmação é
que, por causa das coletas mais numerosas, a diversidade de plantas do
Tocantins aumentou 70% e a do Piauí, 40%, em relação ao registrado na primeira
versão da Flora, de 2010. “Não estávamos trabalhando lá e as plantas não
apareciam”, comentou Pirani. Em 2013, com sua equipe, ele identificou uma
espécie nova de arbusto, Simaba tocantina, em uma área de Cerrado pouco
conhecida no interior e nas proximidades do parque do Jalapão, leste do
Tocantins, marcada por vastos areais como os descritos no livro Grande
sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
Na região Norte, as áreas menos
estudadas são as mais propícias ao avanço das novas plantações de soja e
cana-de-açúcar. “O desmatamento é muito mais rápido do que nossa capacidade de
conhecer a floresta”, queixou-se a botânica paulista Daniela Zappi,
pesquisadora do Kew Gardens, de Londres. “É um desespero. Parece que não vai
dar tempo de chegar nessas áreas, principalmente no Arco do Desmatamento, entre
o norte do Mato Grosso e o sul do Pará.”
As cactáceas, um dos grupos em
que ela é especialista, apresentam uma elevada diversidade no Brasil – em Minas
vivem 103 espécies e na Bahia, 98 –, mas 32% das 260 espécies desse grupo
encontram-se em grau variável de risco de extinção. As áreas que ocupam são
continuamente substituídas por plantações de eucalipto, agricultura ou
mineração. Os cactos são explorados como plantas ornamentais e colhidos para
servir como alimento para o gado ou para pessoas, que também os usam como fonte
de medicamentos, geralmente sem se preocupar em repor as populações originais.
Outro problema é que muitas espécies crescem apenas em áreas específicas. É o
caso do Arrojadoa marylaniae, um cacto colunar com anéis de flores
vermelhas que cresce apenas sobre uma jazida de quartzo branco de valor
comercial no interior da Bahia.
Flor de japaranduba (Erythrochiton brasiliensis),
arvoreta do interior de trechos inalterados da Mata Atlântica úmida
O trabalho de identificação e
estudo da distribuição geográfica de cada espécie está atrelado a um plano de
ação, de modo a estudar e favorecer a polinização e germinação de espécies em
maior risco de extinção. As ações de preservação incluem a participação de
pesquisadores não acadêmicos. Gerardus Oolstrom, um criador de cactos
comerciais em Holambra, interior paulista, trabalhou com botânicos acadêmicos
na identificação de uma espécie nova, a Rhipsalis flagelliformis, que
ele viu pela primeira vez cultivada em um sítio que havia sido do paisagista
Roberto Burle Marx no bairro de Guaratiba, na cidade do Rio de Janeiro. “Os
colecionadores, quando integrados com os grupos de pesquisa, podem ajudar muito
no trabalho de localização e preservação das espécies”, observou Daniela.
Rafaela também trabalha com o
advogado Elton Leme, um botânico não profissional, na caracterização de três
novas espécies do gênero Encholirium, que vivem entre rochas em morros
da Bahia e de Minas Gerais. Por sua vez, pesquisadores da Fundação Zoo-Botânica
de Belo Horizonte espalharam cartazes com o título “Procura-se” e fotos e
informações sobre o faveiro-de-wilson, uma árvore rara, e conseguiram localizar
muitos exemplares com a ajuda de moradores do interior de Minas (ver Pesquisa Fapesp no 235).
“Não precisamos plantar apenas
rosas e azaleias”, propôs Pirani enquanto caminhava pelos corredores amplos e
ensolarados do herbário do IB-USP no início de janeiro. “Cultivar plantas
ornamentais nativas em nossas casas, nas ruas e nas margens de estradas é uma
forma de preservar a diversidade.” Em seguida ele apresentou um arbusto de
flores azuis, a canela-de-ema, duas bromélias, o gravatá e a macambira, e
outras plantas coletadas na serra de Grão Mogol, norte de Minas Gerais, que ele
procura adaptar ao clima da capital. “Aqui chove mais do que em Minas, mas,
mesmo assim, algumas delas florescem todo ano.”
Artigos científicos
COSTA, D. P. e PERALTA, D. F. Bryophytes diversity in Brazil. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1063-71. 2015.
MAIA, L. C. et al. Diversity of Brazilian Fungi. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1033-45. 2015.
MENEZES, M. et al. Update of the Brazilian floristic list of Algae and Cyanobacteria. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1047-62. 2015.
PRADO, J. et al. Diversity of ferns and lycophytes in Brazil. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1073-83. 2015.
THE BRAZIL FLORA GROUP. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1085-113. 2015.
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MENEZES, M. et al. Update of the Brazilian floristic list of Algae and Cyanobacteria. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1047-62. 2015.
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THE BRAZIL FLORA GROUP. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1085-113. 2015.
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