Direitos
dos caiçaras são tema de manifestações e de mesas alternativas na Flip
- 02/07/2016 18h24
- Paraty (RJ)
Vinicius
Lisboa – Enviado especial
Paraty (RJ) - Integrantes de movimentos sociais
fazem ato em defesa dos povos tradicionais da região, no centro histórico da
cidade Tomaz Silva/Agência Brasil
Movimentos sociais promovem, na
tarde de hoje (2), manifestação durante a Festa Literária Internacional de
Paraty (Flip). O ato reúne pautas de povos tradicionais, feministas, ativistas
pela educação, por direitos LGBT e do movimento negro e posiciona-se contra o
governo do presidente interino Michel Temer.
Chamado de Ocupa Flip, o protesto
tem como um dos principais objetivos denunciar violações de direitos dos povos
e das comunidades tradicionais da região. A manifestação se concentrou na Praça
da Matriz, no centro histórico, e percorreu as ruas da cidade divulgando as
revindicações com cartazes e palavras de ordem.
Desde o início da festa, o
movimento Trindade Vive espalhou cartazes nos postes de Paraty com mensagens
contra a especulação imobiliária e o turismo predatório na região. Em 2 de
junho, a localidade de Trindade testemunhou o assassinato do jovem caiçara
Jaison Caique Sampaio, de 23 anos. O crime causou indignação e está em
investigação pela polícia.
A comunidade afirma que o jovem
foi morto por seguranças contratados pela empresa privada Trindade
Desenvolvimento Territorial. A Agência Brasil não conseguiu entrar em
contato com a empresa.
Paraty (RJ) - Além dos caiçaras, o protesto teve a
participação de outros povos indígenasTomaz Silva/Agência Brasil
“Esse problema causou grande
mobilização na comunidade na luta por justiça, até pelo histórico de Trindade,
que desde a década de 1970 já sofreu com diversos atos de violência”, diz o
representante caiçara Davi Paiva na tenda montada pela comunidade no centro
histórico de Paraty para divulgar a cultura e as reivindicações da população de
Trindade. “A gente acredita que a mobilização tem de ser não só da comunidade,
mas de toda a sociedade, que tem de olhar para o que está acontecendo em
Paraty.”
Davi acredita que o caiçara
talvez seja o mais afetado pela descrença da sociedade em relação aos povos
tradicionais. “Por ser uma mistura dos portugueses, dos índios e negros, ele [o
caiçara] é um pouco a cara do Brasil, que é a cara de todos nós”, conta. “Não
preciso estar com um chapéu de palha e um matinho canto da boca mastigando, e
usando roupas típicas para poder ter minha identidade reforçada. A cultura é
algo que está em constante mudança. O índio não deixa de ser índio porque usa
um celular.”
Os caiçaras são povos
tradicionais que vivem entre a costa do Paraná e a do Sul do Rio de Janeiro.
Historicamente, suas principais atividades eram a pesca e a lavoura e, em
muitos casos, eles foram expulsos do litoral pela especulação imobiliária.
Atualmente, esses povos muitas vezes se dedicam ao ecoturismo, como ocorre em
Trindade.
Contra a especulação
Além do protesto, duas mesas na
programação alternativa à tenda principal da Flip trazem hoje a pauta caiçara
para o debate. Pela manhã, no Instituto Silo Cultural, representantes de povos
caiçara e quilombola e pesquisadores se reuniram para discutir as ameaças aos
territórios.
Entre as preocupações
mencionadas, a privatização de áreas de conservação, onde a maior parte desses
povos vive, foi destaque. O antropólogo e professor da Universidade de São
Paulo Antônio Carlos Diegues defendeu que a autonomia é fundamental para os
povos tradicionais. Para ele, a organização caiçara só se tornou possível
quando os quilombolas ganharam espaço. "Em vez de reconhecer os direitos
das comunidades como autônomas, o que o governo propõe [com concessões de áreas
de preservação] vai impedir que exerçam autonomia", diz o pesquisador. Ele
estima que 90% das comunidades tradicionais vivam em áreas de preservação.
Paraty (RJ) - Músico e ativista Luís Perequê diz
que povos tradicionais sofrem com angústia sem a garantia do territórioTomaz
Silva/Agência Brasil
Quilombola e membro do Fórum de
Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba, Ronaldo dos
Santos lembra que não é coincidência esses povos viverem em áreas preservadas.
"Não sou incompatível com a Mata Atlântica, tanto é que a Mata Atlântica
que resta está onde eu vivo", diz o ativista. Ele manifestou preocupação
com as garantias de direitos dos povos tradicionais nos próximos anos.
"Tem muita gente engasgada com o avanço das pautas progressistas."
Do ponto de vista cultural, o
músico caiçara Luiz Perequê ressaltou que, sem a garantia do território, sobra
uma angústia aos povos tradicionais. "Tem uma cultura que só acontece
aqui. Se não tem esse espaço, não tem como acontecer", disse. Perequê
também criticou a transformação das manifestações culturais apenas em produtos
culturais pela indústria turística. "Não se pode deixar transformar tudo
em entretenimento para o turista."
Luta por direitos
Hoje à noite, o jornalista e
advogado Paulo Stanich Neto participa de uma mesa na Flip Mais e lança o livro Direito
das Comunidades Tradicionais Caiçaras, em que apresenta pareceres jurídicos
que fundamentam a luta dos caiçaras pela terra.
"Nossa mensagem é que temos
fundamentos jurídicos e que eles [os caiçaras] não deleguem essa
representatividade. O caiçara é um sujeito, não o objeto. Ele tem condições de
lutar pelos direitos dele", disse o organizador do livro. Segundo ele, os
caiçaras são ameaçados por grileiros, por governos e por organizações
não-governamentais que tentam tomar seu protagonismo.
Paraty (RJ) - Integrantes de movimentos sociais fazem ato unificado em
defesa dos povos tradicionais da região, no centro histórico de Paraty (Tomaz
Silva/Agência Brasil)
Edição: Wellton
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