Embalagens
verdes
Frutas e
legumes são matéria-prima de plásticos que protegem alimentos e são comestíveis
Goiaba ao lado de plástico comestível feito com
substâncias extraídas da polpa e da casca da fruta
Imaginar um futuro com embalagens
plásticas comestíveis, que podem fazer parte de sopas e sucos sem causar mal à
saúde, não é estar descolado da realidade. Novas possibilidades de armazenagem
de alimentos que evitem o descarte pós-consumo das embalagens e ainda ajudam a
nutrir os consumidores estão se concretizando de forma experimental em
laboratórios de universidades e centros de pesquisa. No Brasil, a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estuda novos materiais que
poderão ser transformados em embalagens ou mesmo ingredientes alimentícios. São
chamados pelos pesquisadores de bioplásticos ou biopolímeros e podem fazer
parte também de embalagens biodegradáveis. “Esses materiais têm características
nutricionais, sabor e cor dos vegetais, ou podem ser transparentes, finos e com
a mesma aparência que os plásticos comuns”, explica Luiz Henrique Capparelli
Mattoso, pesquisador da Embrapa Instrumentação Agropecuária, localizada em São
Carlos (SP).
Esses bioplásticos são feitos a
partir de alimentos frescos ou de resíduos da fabricação de sucos ou de outros
processos industriais. Dessas matérias-primas são extraídos compostos, como os
polissacarídeos, considerados polímeros naturais. De modo similar aos plásticos
produzidos com derivados de petróleo, eles são formados por macromoléculas de
longas cadeias de carboidratos. A maioria dos biopolímeros é também
biodegradável: as embalagens que não tiverem a função de ser levadas à mesa se
deterioram no lixo naturalmente em poucos dias ou semanas. Para Mattoso, que
estuda esses materiais há 20 anos, os bioplásticos degradáveis e comestíveis
são uma resposta ao impacto ambiental provocado pelo plástico sintético.
“Diminuir a quantidade de embalagens plásticas sintéticas em lixões e aterros é
uma necessidade”, diz Mattoso. Dentro da mesma versatilidade dos plásticos
tradicionais, os novos materiais abrem uma infinidade de uso e possibilidades
de formulações para atender as áreas de embalagens e alimentos funcionais.
Os plásticos comestíveis do grupo
de Mattoso começaram a ser criados há oito anos no âmbito da Rede de
Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio (AgroNano), formada por pesquisadores de
empresas e de várias instituições de pesquisa, como a professora Márcia Aouada,
da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Ilha Solteira, a pesquisadora
Henriette Monteiro Cordeiro de Azeredo, da Embrapa Agroindústria Tropical,
localizada em Fortaleza (CE), além de Tara McHugh, do grupo de pesquisadores do
Serviço de Pesquisa do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Os
filmes plásticos são feitos basicamente de tipos de polissacarídeos como amido,
pectina e hidroxipropil metilcelulose. A extração desses componentes é feita,
por exemplo, da polpa e cascas de frutas – como goiaba, mamão, maracujá,
banana, açaí, kiwi e pêssego – ou de legumes – beterraba e cenoura. As
aplicações são múltiplas. Comestíveis ou biodegradáveis, eles poderiam embalar
vários tipos de alimento, inclusive rações para animais.
Bioplástico feito de açaí e nanopartículas de
quitosana, substância que tem efeito bactericida
Uma questão ainda não resolvida é
um eventual risco de o biopolímero atrair animais na estocagem ou nas gôndolas
dos supermercados. “Não sabemos se atrairia ratos e baratas, não fizemos testes
específicos, mas não tivemos esse tipo de problema ao longo desses anos de
pesquisa”, diz Mattoso. A possibilidade de as embalagens ficarem contaminadas
com bactérias e outras sujidades poderia ser resolvida, segundo o pesquisador,
com a adição de substâncias como quitosana, canela e própolis, que têm efeito
bactericida. “Outra solução seria utilizar por fora uma embalagem apenas
biodegradável, e não comestível, para embalar alguns alimentos consumidos in
natura”, explica. Os biopolímeros podem ser lavados com água, mas não com
sabão.
“Colegas norte-americanos, como
Tara McHugh, já utilizam filmes comestíveis em restaurantes de comida
japonesa”, conta. “Alguns fregueses são alérgicos às algas utilizadas para
envolver um tipo de sushi. As películas as substituem, sem que se percam o sabor
e a qualidade do alimento.” O pesquisador solta a imaginação com as novas
possibilidades que os biopolímeros trazem para a indústria alimentícia. “É
possível produzir plásticos com sabor de qualquer tempero e adicioná-los à
comida.” Um frango poderia ser embalado com um tipo de bioplástico que teria em
suas moléculas o próprio tempero para o alimento. “Ao levá-lo ao forno, a
evaporação da água da carne solubiliza o filme, fragmentando-o e temperando o
alimento durante o cozimento”, explica. A vantagem em levar o tempero na
embalagem seria a de usá-la como alimento e evitar o descarte. Algumas
embalagens também poderiam ser batidas no liquidificador para preparar sucos.
“É possível trabalhar com novos conceitos de alimento”, diz Mattoso. Nos
estudos sobre plásticos comestíveis realizados em São Carlos, nos últimos oito
anos, foram investidos R$ 200 mil, da Embrapa, do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da FAPESP.
Ravióli de romã
Em Fortaleza, Henriette
desenvolveu um plástico comestível a partir de pectina, além de suco de romã,
ácido cítrico e glicerol, uma substância que pode ser um subproduto do
processamento de óleos vegetais. “Ele tem boas propriedades mecânicas, cor e
sabor de romã”, explica. “Criamos o produto para ser ingerido junto com o
alimento.” De acordo com Henriette, a ideia de desenvolver o filme surgiu em
2014, quando ela passou um período como pesquisadora visitante em Norwich, na
Inglaterra, por meio do programa Embrapa Labex, de cooperação científica com instituições
de outros países. “A romã é muito apreciada e consumida na Inglaterra, e eu
sabia do apelo mercadológico da fruta por causa de suas alegadas propriedades
benéficas à saúde, como a de ser um antioxidante”, explica. “Pensei que seria
interessante aproveitar a cor atraente da sua polpa para incorporar a um
biopolímero.” Essa pesquisa foi realizada em 2014, mas a pesquisadora trabalha
com plásticos comestíveis e biodegradáveis desde 2007.
Plásticos
comestíveis desenvolvidos na Embrapa
Quanto às aplicações, Henriette
diz que o filme desenvolvido na Inglaterra, a exemplo dos similares criados por
Mattoso, também poderia ser usado por restaurantes para envolver sushis, formar
falsos pastéis ou raviólis transparentes, que seriam pequenos saquinhos recheados
de carne para consumo ou mesmo para efeito decorativo em refeições. “O produto
também poderia ser comercializado em forma de pó, para ser dissolvido em água e
revestir frutas”, explica. “Para isso, os bioplásticos seriam imersos e
retirados do líquido para a formação de uma película após a secagem.” Segundo
Henriette, o filme formado agiria como barreira de proteção – uma espécie de
casca fina que diminuiria a entrada e saída de gases e umidade –, ajudando a
aumentar a estabilidade do alimento.
Outra possível aplicação é a
produção de fitas de frutas semelhantes aos fruit by the foot, ou fruta
por metro, existentes nos Estados Unidos, formadas por tiras de goma enroladas
e vendidas na forma de uma fita adesiva. São bioplásticos feitos de frutas e
acréscimo de vitaminas. “Nos Estados Unidos existe uma empresa que produz
filmes à base de polpa de diversas frutas e hortaliças e os comercializa para
que o consumidor prepare na forma de sushis ou wraps [sanduíches
enrolados em pães de massa bem fina, no caso substituída pelo plástico
comestível] de vários sabores.”
Desenvolver um filme que evite a
oxidação de frutas cortadas em pedaços é objetivo do grupo de pesquisa da
professora Florencia Cecília Menegalli, da Faculdade de Engenharia de Alimentos
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela e sua aluna de doutorado
Tanara Sartori utilizam amido de banana verde da variedade terra como
matéria-prima para filmes que preservam frutas cortadas em pedaços. A esse
material foram acrescidas micropartículas lipídicas (mistura de ácidos graxos)
contendo um antioxidante (vitamina C). “Já havíamos utilizado anteriormente o
amido de banana para o desenvolvimento de embalagens biodegradáveis. Agora
optamos por uma embalagem ativa a partir da adição do antioxidante à
formulação”, explica Tanara. Antes, elas precisaram encapsular essas
substâncias para inseri-las no filme. “Encapsular o antioxidante dentro das
micropartículas é importante para manter a liberação controlada da substância
durante o armazenamento dos produtos, preservando-os até chegar ao consumidor
final.”
Etapa da produção de plástico comestível de morango
para uso em embalagens
O uso de micropartículas também é
utilizado na cobertura, que é um líquido viscoso no qual as frutas a serem
protegidas devem ser imersas. Em seguida, elas são retiradas para secagem
durante alguns minutos. Ao final, forma-se uma película de proteção sobre as
frutas. Segundo Tanara, resultados do trabalho ainda não publicados mostram
efetiva preservação da cor das maçãs, mesmo cortadas ao meio, sobre as quais a
cobertura com propriedades antioxidantes foi aplicada.
O passo para todos esses produtos
chegarem ao mercado depende de alguns fatores. Henriette, da Embrapa, na década
passada desenvolveu um filme à base de polpa de manga, com a adição de
nanofibras de celulose obtidas da fibra do algodão (ver Pesquisa Fapesp nº 176), que não
chegou a gerar patentes nem produto comercial. “Na época, algumas empresas me
contataram, mas nenhuma se interessou em levar a tecnologia para o mercado”,
conta. “Os filmes ainda não são produzidos industrialmente. Não foram feitos
estudos de ampliação de escala e, portanto, seu custo é apenas estimado e
considerado elevado. Por isso, são de difícil competição com os plásticos
sintéticos”, comenta o professor Paulo Sobral, da Faculdade de Zootecnia e
Engenharia de Alimentos, da Universidade de São Paulo (USP), de Pirassununga.
“O uso de resíduos poderia reduzir o preço final do bioplástico, mas é muito
difícil quantificar o valor porque depende da formulação, da escala e do tipo
de biopolímero”, diz Mattoso.
Os trabalhos dos três grupos
geraram artigos recentes publicados em periódicos científicos. Os que estão
mais próximos de serem transformados em produtos comerciais são os filmes
criados por Mattoso. “Já realizamos a prova de conceito, desenvolvemos várias
formulações de embalagens e um processo de produção em escala piloto”, conta.
Até o momento, sete empresas interessadas nos filmes comestíveis entraram em
contato com a Embrapa. “Estamos em negociação com algumas delas. Ao acertar com
uma empresa e fazer um contrato de parceria, partiríamos para adequar a
formulação e desenvolver o produto final”, diz Mattoso.
Artigos científicos
SARTORI, T. et al. Development and characterization of unripe banana starch films incorporated with solid lipid microparticles containing ascorbic acid. Food Hydrocolloids. v.55, p. 210-19. abr. 2016.
AZEREDO, H. M. C. et al. Development of pectin films with pomegranate juice and citric acid. Food Chemistry. v. 198, p. 101-6. mai. 2016.
SARTORI, T. et al. Development and characterization of unripe banana starch films incorporated with solid lipid microparticles containing ascorbic acid. Food Hydrocolloids. v.55, p. 210-19. abr. 2016.
AZEREDO, H. M. C. et al. Development of pectin films with pomegranate juice and citric acid. Food Chemistry. v. 198, p. 101-6. mai. 2016.
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