Aeronave
autônoma construída no Brasil vai monitorar reservas ambientais na Amazônia
Noamay no
ar: quatro motores elétricos com hélices que podem girar em 360º de forma
independente
Imagem:
Samuel Bueno/CTI
Ao voar lentamente e a baixas
altitudes sobre a floresta na região de Mamirauá, no estado do Amazonas, o
dirigível Noamay deverá localizar e captar sinais de rádio emitidos por colares
instalados em macacos e onças. Esse tipo de aeronave poderá também obter, por
meio de sensores, dados sobre o ar e o solo. O dirigível não tripulado, que
mede 11 metros (m) de comprimento e 2,50 m de diâmetro na parte mais larga, foi
projetado para voar de forma autônoma com um trajeto predefinido ou teleguiado
por um piloto em terra. “Fizemos o primeiro voo no modo teleguiado em 3 de
março, a partir da pista de pouso da cidade de Balsa Nova, no Paraná”, conta o
engenheiro eletrônico Samuel Siqueira Bueno, pesquisador do Centro de
Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer – entidade do Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), em Campinas, que liderou
o projeto Droni – Dirigível Robótico de Concepção Inovadora.
O Noamay – “cuidar e proteger” na
língua indígena yanomami – entrará em operação no segundo semestre deste ano no
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) – organização social
ligada ao MCTIC –, que também participou do projeto Droni. O instituto atua nas
reservas ecológicas de Mamirauá e Amanã, com um total de 3,4 milhões de
hectares. O projeto Droni foi financiado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
(CNPq) entre 2014 e 2017.
O dirigível traz uma inovação
importante, segundo Bueno: quatro motores elétricos com hélices instalados de
forma que possam girar em 360° e funcionar cada um de modo independente,
permitindo subir e pousar na vertical, pairar no ar e voar fazendo manobras.
“Esse novo sistema, que chamamos de vetorização multidimensional, permite
controlar a aeronave com mais precisão nos seus três eixos, o que facilita o
voo pairado mesmo com a ocorrência de ventos laterais. Inédito, o sistema
facilita controlar o dirigível em baixas velocidades e por isso estamos
preparando patentes para serem depositadas no Brasil e no exterior”, explica o
engenheiro aeronáutico Christian Amaral, sócio da Omega AeroSystems, empresa de
Campo Largo (PR) que projetou e construiu o dirigível e também fez parte do
projeto Droni. Amaral explica que os dirigíveis são mais úteis em algumas
situações do que os drones porque podem voar por mais tempo, levando uma carga
muito maior e fazer voos pairados com maior estabilidade. As baterias dos
drones duram poucas dezenas de minutos.
“Por enquanto, o dirigível tem
uma autonomia de voo de uma hora, mas no futuro será possível mantê-lo no ar
por mais tempo, sustentado pelo gás hélio e por motores elétricos energizados
por baterias”, explica Bueno. Em relação aos equipamentos de sensoriamento a
serem embarcados na aeronave, ele acrescenta: “Poderemos instalar antena e
receptor para localizar e acompanhar animais que portam colar transmissor,
câmeras em diferentes faixas de espectro, um laser Lidar [sigla de detecção de
luz e medida de distância] para mapear o solo e tentar localizar ruínas de
presença humana antiga ou outros sensores para saber a composição do ar sobre a
floresta.”
As baterias recarregáveis do
Noamay são de polímeros de lítio (LiPo), de alta capacidade. Sem gás hélio,
apenas com os equipamentos para voar, o dirigível pesa aproximadamente 38
quilogramas (kg), com capacidade para mais 6 kg de carga. Vazio e dobrado, o
envelope cabe dentro de uma mala grande de viagem.
Plataforma multiuso
Outro desafio dos pesquisadores é
terminar o desenvolvimento do sistema de controle autônomo do Noamay.
“Concluímos em 2002 o desenvolvimento de um sistema de voo autônomo para nosso
primeiro dirigível, comprado no exterior, em 1998”, conta Bueno, que coordenou
o projeto Aurora, sigla em inglês para Dirigível Robótico Autônomo Não
Tripulado para Monitoração Remota (ver Pesquisa FAPESP nº 84). A aeronave era
controlada pelo computador e sensores embarcados. “Com esse sistema, o
dirigível realizava voo de cruzeiro autônomo, mas as operações de decolagem,
aterrissagem e voo pairado eram controladas pelo piloto em terra”, diz.
O estabelecimento de um controle
geral, que inclua decolar, pairar sobre um ponto escolhido, fazer aterrissagem
e até decidir sozinho a rota e a missão de acordo com os dados captados pelo
próprio dirigível, ainda necessita de metodologias que estão sendo
desenvolvidas de forma simulada, para depois serem testadas. “Metodologias de
piloto automático para dirigíveis que cumpram todas essas fases de voo
inexistem no mundo. Por isso, temos vários estudantes de pós-graduação
envolvidos nesses estudos”, conta o pesquisador. Além do CTI, da Omega e do
IDSM, também participam do projeto as universidades Federal da Amazônia (Ufam),
Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e
Instituto Superior Técnico de Lisboa, de Portugal. Essa colaboração
multi-institucional dá prosseguimento às pesquisas e aplicações do Noamay no
âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Sistemas Autônomos
Cooperativos (InSAC).
O engenheiro eletricista José
Reginaldo Hughes Carvalho, professor no Instituto de Computação da Ufam, diz
que o Noamay poderá se transformar em uma plataforma multiuso, tanto como
alternativa mais segura e barata aos voos tripulados (usados para rastreamento
de animais e coleta de informações ambientais) quanto para aquisição de dados,
oferecendo uma cobertura maior que os sensores fixos. “Com o diferencial de ser
silencioso e, ao mesmo tempo, flexível, sendo capaz de pairar sobre um ponto de
interesse e prosseguir para o próximo”, acrescenta.
O dirigível precisa de 40 metros
cúbicos (m3) de hélio. O gás pode ser comprado, acondicionado em
cilindros, em Tefé, cidade-sede do Instituto Mamirauá. O preço médio é R$
120,00 o m3, o que significa R$ 4.800,00 para encher o dirigível.
“Estamos projetando um reservatório de material sintético para acondicionar o
gás e não o perder, caso seja necessário esvaziar o envelope do dirigível”,
explica Amaral, da Omega. A empresa pretende, no futuro, produzir a aeronave em
escala. “O mercado mundial de dirigíveis, dos remotamente pilotados aos
autônomos, para aplicações ambientais e de sensoriamento, estando ainda em
processo de formação, apresenta um grande potencial de expansão a médio e longo
prazos.”
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