Poluente emitido pela
queima de biomassa causa dano ao DNA e morte de célula pulmonar
Em testes
feitos na USP, partículas oriundas de queimadas na Amazônia induziram
inflamação, estresse oxidativo e danos genéticos em células de pulmão humano
KARINA TOLEDO | Edição Online 16:12 11 de
setembro de 2017
© FAPEAM
Incêndios
na floresta oferecem risco à saúde dos habitantes
Quando são expostas em
laboratório a concentrações comparáveis de poluentes encontrada na atmosfera
amazônica em época de queimadas, células do pulmão humano sofrem severos danos
em seu DNA e param de se dividir. Após 72 horas de exposição, mais de 30% das
células em cultura já estão mortas.
O principal responsável pelo
estrago? Ao que tudo indica é o reteno, um composto químico pertencente à
classe dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs).
As conclusões são de um estudo
publicado no dia 7 de setembro na revista Scientific Reports por um grupo de
pesquisadores brasileiros.
“Não encontramos na literatura
científica informações sobre a toxicidade do reteno. Espero que nossos achados
sirvam como incentivo para que esse composto seja melhor estudado e para que
suas concentrações ambientais passem a ser reguladas pelas organizações de
saúde”, disse Nilmara de Oliveira Alves Brito, primeira autora do artigo
e bolsista de pós-doutorado da FAPESP.
A pesquisa foi conduzida sob a
supervisão do professor Carlos Menck, do Instituto de Ciências Biomédicas
(ICB-USP), e Silvia Regina Batistuzzo, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Contou com a participação de Paulo Saldiva, professor da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e de Paulo Artaxo, do
Instituto de Física (IF-USP), além de pesquisadores da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da
Washington University em Saint Louis, nos Estados Unidos.
“Ainda durante meu mestrado, na
UFRN, observei que a exposição das células do pulmão a esse material
particulado emitido pela queima de biomassa induzia mutação no DNA de células
de pulmão. O objetivo neste estudo mais recente foi investigar os mecanismos
pelos quais isso acontece”, disse Alves Brito.
De acordo com a pesquisadora, o
primeiro passo foi determinar a concentração de poluentes a ser usada nos
testes in vitro para mimetizar a exposição sofrida por pessoas
que moram no chamado “arco do desmatamento” – 500 mil km² de terras que vão do
leste e sul do Pará em direção oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e
Acre.
Por meio de modelos matemáticos,
os pesquisadores calcularam a capacidade de inalação de material particulado
pelo pulmão humano no auge do período de queimadas, bem como a porcentagem de
poluentes que de fato se deposita no órgão. “A partir dessa massa teórica,
determinamos as concentrações que seriam testadas nas culturas celulares”, disse
Alves Brito.
Os poluentes usados in
vitro foram coletados em uma área natural próxima a Porto Velho (RO)
durante a estação de queimadas, cujo pico ocorre entre os meses de setembro e
outubro.
“Fizemos a coleta com
equipamentos que aspiram o ar e depositam o material particulado fino – com
diâmetro menor que 10 micrômetros – em um filtro. Nosso interesse era estudar
as partículas pequenas, pois são as que conseguem chegar nos alvéolos
pulmonares”, disse Alves Brito.
Como explicou Artaxo, os filtros
foram congelados logo após a coleta do material particulado, uma vez que os
compostos orgânicos encontrados na pluma de poluição são extremamente voláteis.
“Esse material foi levado para
São Paulo e diluído em uma solução nutritiva, que depois foi aplicada nas culturas.
Foi usada a mesma proporção de poluentes presente no ar respirado pela
população em Porto Velho”, disse Artaxo.
As culturas tratadas com a
solução foram comparadas com um grupo de células-controle, que recebeu apenas o
solvente usado para extrair os poluentes do filtro. O objetivo era confirmar
que os eventuais efeitos adversos observados eram causados pelo material
particulado e não pelo solvente.
Efeito imediato
Logo nos primeiros momentos de exposição, as células pulmonares passavam a produzir grandes quantidade de moléculas pró-inflamatórias. A inflamação era seguida pelo aumento na liberação de espécies reativas de oxigênio (ROS) – substâncias que provocam o chamado estresse oxidativo e que, em grandes quantidades, danificam as estruturas celulares.
Logo nos primeiros momentos de exposição, as células pulmonares passavam a produzir grandes quantidade de moléculas pró-inflamatórias. A inflamação era seguida pelo aumento na liberação de espécies reativas de oxigênio (ROS) – substâncias que provocam o chamado estresse oxidativo e que, em grandes quantidades, danificam as estruturas celulares.
“Para entender os caminhos que
estavam levando a essa condição de estresse, analisamos o ciclo celular e
notamos que ele estava prejudicado pelo aumento na expressão de proteínas como
a P53 e P21. As células tinham parado de se replicar, o que sugeria que danos
no DNA estavam ocorrendo”, disse Alves Brito.
Por meio de testes específicos,
os pesquisadores confirmaram os danos genéticos. Graças ao aumento na expressão
da proteína LC3 e de outros marcadores específicos, notaram também que as
células estavam entrando em um processo de autofagia, ou seja, estavam
autodegradando suas estruturas internas.
“Todos esses danos foram
observados em apenas 24 horas de exposição. À medida que o tempo passava, o
dano genético aumentava e as células entravam em processo de apoptose [uma
espécie de morte celular não inflamatória] e de necrose [tipo de morte em que a
célula libera seu conteúdo interno, induzindo inflamação no local]”, disse
Alves Brito.
Enquanto na cultura controle
apenas 2% das células haviam morrido por necrose após 72 horas, na cultura
tratada com os poluentes o índice chegou a 33%.
“Nem todas as células morrem.
Porém, as que sobrevivem continuam sofrendo danos em seu DNA, o que pode
predispor ao desenvolvimento de câncer no futuro”, comentou a pesquisadora.
Antes mesmo de iniciar o
experimento com as culturas celulares, Alves Brito e colaboradores concluíram
uma análise das substâncias presentes no material particulado coletado na
Amazônia. A presença de diversos compostos da classe dos HPAs foi identificada
– muitos deles já são reconhecidos como carcinogênicos. Os resultados dessa
análise foram divulgados em 2015 na revista Atmospheric Environment.
“Observamos que o composto em
maior quantidade era o reteno. Decidimos, então, repetir o experimento com as
células usando essa substância de forma isolada, mas na mesma concentração
encontrada no material particulado. Observamos que o reteno sozinho também
induzia danos no DNA e morte celular”, disse Alves Brito.
Segundo Artaxo, caso o número de
células pulmonares mortas seja grande in vivo, podem surgir
dificuldades respiratórias e até mesmo doenças graves como enfisema pulmonar.
“Em um estudo anterior, mostramos
que a queda no desmatamento – que era de 27 mil km2 em 2004 e passou para 4 mil
km2 em 2012 – evitou a morte de pelo menos 1.700 pessoas por doenças associadas
à poluição. O curioso é que a maioria dessas mortes não teria ocorrido na
Amazônia, mas no Sul do Brasil, por causa do transporte a longa distância dos
poluentes e também porque aqui a densidade populacional é muito maior”, disse.
Alcance mundial
Embora o reteno não seja emitido pela queima de combustíveis fósseis – principal fonte de poluição em regiões urbanas no Brasil –, os pesquisadores destacam que esse composto pode ser encontrado na atmosfera de cidades como São Paulo, em decorrência provavelmente da queima de cana e de outros tipos de biomassa nas proximidades.
Embora o reteno não seja emitido pela queima de combustíveis fósseis – principal fonte de poluição em regiões urbanas no Brasil –, os pesquisadores destacam que esse composto pode ser encontrado na atmosfera de cidades como São Paulo, em decorrência provavelmente da queima de cana e de outros tipos de biomassa nas proximidades.
No artigo, os pesquisadores ressaltam
que a maioria das pesquisas realizadas teve como foco o papel dos combustíveis
fósseis na poluição atmosférica. No entanto, aproximadamente 3 bilhões de
pessoas em todo o mundo estão expostas a poluentes oriundos da queima de
biomassa – decorrente de práticas agrícolas, desmatamento, queima de madeira ou
carvão para uso como combustível, em fogões ou aquecimento residencial.
Um relatório da Organização
Mundial da Saúde (OMS) divulgado em 2012 apontou que aproximadamente 7 milhões
de mortes – uma em cada oito ocorridas no mundo – era resultado de exposição à
poluição atmosférica.
“A combinação de incêndio
florestal e ocupação humana transformou a queima de biomassa em uma séria
ameaça à saúde pública. A maioria dos incêndios florestais ocorre no arco do desmatamento,
impactando diretamente mais de 10 milhões de pessoas na região. Muitos estudos
identificaram severos efeitos na saúde humana, como aumento na incidência de
asma e elevação na morbidade e mortalidade principalmente na população mais
vulnerável, composta por crianças e idosos”, apontam os autores.
Projeto
O reparo por excisão de nucleotídeo está envolvido no mecanismo de ação dos poluentes atmosféricos urbano? (nº 14/02297-3); Modalidade Bolsas no Brasil – Pós-Doutorado; Pesquisador responsável Paulo Hilário Nascimento Saldiva; Bolsista Nilmara de Oliveira Alves Brito; Investimento R$ 204.813,04
O reparo por excisão de nucleotídeo está envolvido no mecanismo de ação dos poluentes atmosféricos urbano? (nº 14/02297-3); Modalidade Bolsas no Brasil – Pós-Doutorado; Pesquisador responsável Paulo Hilário Nascimento Saldiva; Bolsista Nilmara de Oliveira Alves Brito; Investimento R$ 204.813,04
Artigo
científico
ALVES, N de O. et al. Biomass burning in the Amazon region causes DNA damage and cell death in human lung cells. Scientific Reports. On-line. 07 set. 2017.
ALVES, N de O. et al. Biomass burning in the Amazon region causes DNA damage and cell death in human lung cells. Scientific Reports. On-line. 07 set. 2017.
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