A ascensão
dos elétricos
Automóveis movidos a eletricidade deverão
representar 16% da frota mundial até 2030
Modelos da Nissan são recarregados no
centro de pesquisa da montadora na Inglaterra
A produção de carros movidos a energia elétrica acelera pelo mundo, já
provoca mudanças na indústria automobilística e promete transformações na
mobilidade urbana. A frota global de automóveis elétricos e híbridos,
denominação dada aos modelos que utilizam um motor elétrico em conjunto com um
de combustão interna, superou 2 milhões de unidades em 2016, um aumento de 60%
em relação ao ano anterior. China, Japão, Estados Unidos e Europa são os
principais mercados e concentram os maiores fabricantes. O estoque de
automóveis elétricos no mundo poderá chegar a 70 milhões de unidades em 2025,
de acordo com o relatório Global EV Outlook 2017, da Agência
Internacional de Energia (AIE). Outra projeção, da consultoria Morgan Stanley,
indica que em 2030 cerca de 16% da frota global de veículos de passeio será
movida a baterias. Hoje, eles representam 0,2% do mercado, que totaliza 947
milhões de automóveis.
O avanço dos elétricos, um fenômeno por enquanto mais presente em nações
ricas em razão do elevado custo dessa tecnologia, é motivado por preocupações
ambientais e pela perspectiva de esgotamento de petróleo. A fumaça liberada
pelo escapamento dos veículos movidos a combustíveis fósseis é a principal
causa da poluição nos grandes centros urbanos e responde por um quinto de toda
a emissão de dióxido de carbono (CO2) do planeta, o principal gás de
efeito estufa (GEE). Para lidar com essa situação, governos de diversos países
têm proposto limites à circulação desses veículos e estimulado o uso dos
elétricos, em tese menos agressivos ao ambiente.
Recentemente, autoridades francesas e britânicas anunciaram a intenção
de proibir a venda de modelos a gasolina ou diesel a partir de 2040. Na
Noruega, onde 37% dos carros novos vendidos em janeiro deste ano eram movidos a
eletricidade, e na Holanda, a proibição da comercialização deve ocorrer ainda
mais cedo, em 2025, enquanto na Alemanha o banimento está previsto para 2030.
Do lado da indústria, as maiores fabricantes já oferecem modelos elétricos e
híbridos. A Volvo anunciou que a partir de 2019 todos os seus carros terão
motores elétricos.
A onda global chega lentamente ao Brasil, que precisa superar vários
obstáculos para fazer a transição do carro a combustão interna para o elétrico.
“A falta de política pública e de uma infraestrutura de recarga são os
principais entraves à massificação desses carros no país”, relata Ricardo
Guggisberg, presidente-executivo da Associação Brasileira do Veículo Elétrico
(ABVE). Segundo ele, assim como ocorreu em outras nações, a mobilidade elétrica
precisa de incentivos do governo para se estabelecer (ver mais sobre os desafios do carro elétrico no Brasil).
Atualmente, circulam nas ruas do planeta por volta de 50 diferentes
modelos de automóveis elétricos, número que deve saltar para 120 nos próximos três
anos. Esses veículos podem ser classificados em três grupos, segundo a forma de
suprimento de energia. O primeiro reúne os chamados elétricos puros ou a
bateria (VEB). Tracionados por um ou mais motores elétricos, eles empregam
apenas baterias como fonte de energia. “A bateria deve ser recarregada na rede
elétrica, mas também pode aproveitar a energia regenerada pelo carro durante as
desacelerações e frenagens”, explica o engenheiro eletricista Raul Fernando
Beck, responsável pela Área de Sistemas de Energia da Fundação Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), de Campinas (SP), e
coordenador da Comissão Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da Sociedade
de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil). São ideais para uso urbano, pois têm
autonomia limitada. “As baterias atuais permitem que os carros rodem em média
250 quilômetros (km)sem necessidade de recarregamento”, diz Beck.
O segundo conjunto é dos veículos elétricos híbridos (VEH), que têm pelo
menos um motor elétrico e um motor a combustão interna. Nesse caso, não é
preciso recarregar a bateria em um eletroposto, nome dado ao ponto de recarga,
pois ela é alimentada exclusivamente por um gerador acionado pelo motor a
combustão, também usado para mover o carro. O veículo, portanto, é abastecido
em postos de combustível. A vantagem dos híbridos é a maior autonomia. Por
outro lado, não são totalmente isentos de emissões. O terceiro grupo é dos
híbridos plug-in (VEHP), uma combinação entre os elétricos puros e os
híbridos. Esses modelos também têm dois motores distintos (a combustão e
elétrico) e podem ser alimentados tanto com combustíveis tradicionais, como
gasolina e diesel (ainda não existem plug-ins a álcool), como a partir
da rede elétrica (ver gráfico).
Model 3: as
primeiras unidades do carro “popular” da Tesla foram entregues em julho deste
ano
Matriz energética
O maior diferencial dos veículos elétricos é a emissão nula ou reduzida de poluentes e de gases de efeito estufa no seu funcionamento. Essa vantagem, entretanto, pode ser diluída dependendo da matriz energética do país em que a frota circula. Em muitas nações europeias, a maior parte da eletricidade é gerada por fontes não renováveis e poluentes, como o carvão queimado em usinas termelétricas. Assim, mesmo que os elétricos não contribuam diretamente para o aumento da poluição atmosférica e o aquecimento do planeta – já que seu nível de emissões é nulo ou muito baixo –, a energia que alimenta suas baterias foi produzida por uma fonte “suja”. Com isso, a pegada de carbono deles aumenta. Pegada de carbono é um índice que mede o impacto de certa atividade humana ou tecnologia sobre o ambiente a partir da quantificação do CO2 emitido.
O maior diferencial dos veículos elétricos é a emissão nula ou reduzida de poluentes e de gases de efeito estufa no seu funcionamento. Essa vantagem, entretanto, pode ser diluída dependendo da matriz energética do país em que a frota circula. Em muitas nações europeias, a maior parte da eletricidade é gerada por fontes não renováveis e poluentes, como o carvão queimado em usinas termelétricas. Assim, mesmo que os elétricos não contribuam diretamente para o aumento da poluição atmosférica e o aquecimento do planeta – já que seu nível de emissões é nulo ou muito baixo –, a energia que alimenta suas baterias foi produzida por uma fonte “suja”. Com isso, a pegada de carbono deles aumenta. Pegada de carbono é um índice que mede o impacto de certa atividade humana ou tecnologia sobre o ambiente a partir da quantificação do CO2 emitido.
A questão é polêmica e divide os especialistas.Se, no cálculo da pegada
de carbono, considerarmos também a energia gasta na fabricação do carro e seus
componentes, a vantagem dos elétricos diminui mais ainda. “Gasta-se muita
energia na fabricação das baterias. Se essa energia é gerada por combustíveis
fósseis, as emissões de CO2 são consideráveis e a pegada global do
carro elétrico se eleva”, explica o engenheiro mecânico Francisco Emílio
Baccaro Nigro, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
(Poli-USP) e assessor da Secretaria de Energia e Mineração do Estado de São
Paulo. Ainda assim, destaca Nigro, entre queimar combustíveis fósseis em
motores a combustão ou para gerar energia elétrica que alimentará veículos
elétricos, a segunda opção é mais ambientalmente amigável, pois esses carros
são mais eficientes no uso de energia do que os automóveis com motores a
combustíveis fósseis.
Mas há quem ache o contrário. Para o físico José Goldemberg,
especialista em energia, a fabricação de carro elétrico só vale a pena para o
país que for fabricá-lo se a maior parte da matriz energética for renovável,
como no Brasil. “Para os Estados Unidos, que têm a maior parte da produção
elétrica originária do combustível fóssil, não vejo vantagem em substituir o
motor a combustão. Aqui, haveria benefícios”, diz Goldemberg, que é presidente
da FAPESP. A matriz energética brasileira é baseada na fonte hidráulica,
considerada limpa e renovável e que responde por 64% da eletricidade gerada.
Por isso, os carros elétricos tendem a se manter vantajosos do ponto de vista
ambiental quando comparados aos movidos a gasolina ou diesel. Essa vantagem
permanece mesmo quando a comparação é feita com os veículos a etanol, um
combustível sustentável menos agressivo ao ambiente. “A pegada de carbono da
eletricidade gerada no Brasil é muito semelhante à do etanol. Mas essa relação
pode mudar se o país passar a usar mais usinas termelétricas para complementar
a geração das hidrelétricas”, relata Nigro.
Para ele, um carro híbrido a etanol pode ser a melhor solução para o
país. “Um modelo com essas características faz todo o sentido”, afirma Nigro. O
engenheiro eletricista Ricardo Takahira, diretor do Núcleo de Pesquisas da ABVE
e membro da Comissão Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da SAE Brasil,
tem opinião semelhante. “Apoiar a hibridização flex fuel é dar um passo adiante
em termos tecnológicos. Mas sem volumes expressivos de venda de elétricos no
país é difícil que as multinacionais autorizem investimentos em pesquisa e
desenvolvimento (P&D) e produção por aqui”, opina Takahira.
Silencioso e
eficiente
A reduzida emissão de ruídos – já que no carro elétrico não há queima de combustível, a principal causa do ruído dos motores a combustão – e o baixo custo para rodar são outras vantagens dos elétricos. Um estudo da CPFL Energia mostrou que o custo por quilômetro rodado de um carro a combustão é de R$ 0,31, enquanto o de um veículo elétrico é de R$ 0,11, ou seja, três vezes menor. O elevado rendimento energético também é um diferencial desses modelos. “Enquanto a eficiência energética dos carros a combustão interna é de cerca de 25%, nos carros elétricos ela começa em 85%, a depender do modelo”, destaca o especialista da ABVE. O consumo energético de um veículo é a quantidade de energia fornecida pela fonte (bateria, gasolina, diesel, álcool etc.) efetivamente usada para mover o veículo. Nesse processo, parte da energia é perdida em forma de calor.
A reduzida emissão de ruídos – já que no carro elétrico não há queima de combustível, a principal causa do ruído dos motores a combustão – e o baixo custo para rodar são outras vantagens dos elétricos. Um estudo da CPFL Energia mostrou que o custo por quilômetro rodado de um carro a combustão é de R$ 0,31, enquanto o de um veículo elétrico é de R$ 0,11, ou seja, três vezes menor. O elevado rendimento energético também é um diferencial desses modelos. “Enquanto a eficiência energética dos carros a combustão interna é de cerca de 25%, nos carros elétricos ela começa em 85%, a depender do modelo”, destaca o especialista da ABVE. O consumo energético de um veículo é a quantidade de energia fornecida pela fonte (bateria, gasolina, diesel, álcool etc.) efetivamente usada para mover o veículo. Nesse processo, parte da energia é perdida em forma de calor.
Apesar do apelo ecológico e do boom de vendas no exterior, nem tudo são
boas notícias no segmento dos elétricos. “As baterias são o calcanhar de
Aquiles desses modelos. As atuais são pouco eficientes por conferir uma
autonomia limitada aos veículos, são pesadas, caras de produzir e representam
boa parte do custo do carro”, esclarece o engenheiro mecânico Marcelo Augusto
Leal Alves, do Centro de Engenharia Automotiva (CEA) da Poli-USP (saiba mais sobre os estudos relativos a baterias).
Os principais fabricantes globais de bateria, entre eles Panasonic,
Samsung, LG e NEC, correm para superar esse gargalo. A empresa norte-americana
de elétricos Tesla, que se tornou uma das montadoras mais valorizadas do mundo
produzindo carros de luxo (o topo de linha Model X custa a partir de US$ 83 mil
nos Estados Unidos e é vendido por quase R$ 1 milhão no Brasil), entrou nesse
mercado e construiu com a Panasonic uma fábrica de baterias no estado de
Nevada, a Gigafactory, que começou a operar este ano. A expectativa de Elon
Musk, dono da companhia, é de que a fábrica provoque uma redução no custo de
produção das baterias superior a 30% quando estiver operando em plena carga, no
ano que vem.
Para os especialistas, a vantagem ambiental oferecida pelos elétricos ao
lado das preocupações com o esgotamento dos combustíveis fósseis faz da
mobilidade elétrica uma forte promessa para o futuro. “O mundo ruma na direção
dos elétricos”, diz Nigro. Mas essa tecnologia ainda precisa superar desafios –
como a limitada autonomia oferecida pelas baterias e o seu preço, ainda elevado
demais para a maioria dos consumidores – para que seja difundida em larga
escala no mundo.
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