Poços de
petróleo mais produtivos
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Estudos indicam que nanopartículas de sílica podem
aumentar o volume de óleo e gás extraídos dos reservatórios
YURI
VASCONCELOS | ED. 240 | FEVEREIRO 2016
Antes de testar nos campos petrolíferos as soluções
para retirar mais óleo das rochas, é preciso fazer a simulação em computador
Empregar a nanociência para
elevar a produtividade de poços de petróleo, extraindo de reservatórios
submarinos e continentais o óleo que não é recuperado pelos métodos
tradicionais, é o objetivo dos estudos do físico Caetano Miranda, professor do
Departamento de Física de Materiais e Mecânica do Instituto de Física da
Universidade de São Paulo (IF-USP). A ideia central do pesquisador, que recorre
à modelagem computacional para simular o interior de poços de petróleo em
escala micro e nanométrica, é usar nanopartículas de óxidos, como a sílica,
impregnadas com surfactantes – substâncias utilizadas pelas empresas
petrolíferas na exploração das reservas – para extrair o petróleo aderido às
rochas que formam os reservatórios. Hoje, apenas 35% do óleo contido nos poços
é extraído, em média. A finalidade da nova técnica é dobrar esse percentual.
Para compreender como as
nanopartículas de sílica irão atuar na exploração petrolífera, é preciso
entender que tanto o óleo quanto o gás não estão armazenados em bolsões ou
grandes cavernas subaquáticas ou subterrâneas. O óleo e o gás se acumulam em
espaços vazios de rochas sedimentares porosas, como se fossem água em uma
esponja encharcada. Quando o poço é perfurado, parte do óleo flui naturalmente,
por causa da diferença de pressão – mais elevada no reservatório e menor na
superfície. “Nessa recuperação primária, são extraídos em torno de 5% a 15% do
total de hidrocarbonetos armazenados no depósito. Esse percentual varia conforme
certos fatores, entre eles o tipo de rocha que forma o reservatório e
características do óleo, como sua viscosidade, por exemplo”, explica Miranda.
No momento em que o poço começa a
reduzir sua produção, as petrolíferas injetam nele água, gás carbônico (CO2)
e nitrogênio para deslocar o petróleo ainda presente no reservatório. Esses
fluidos são introduzidos nos poços a certa distância do local de produção e têm
ação puramente mecânica, empurrando o óleo em direção à coluna de perfuração.
Nesse processo de recuperação secundária do óleo chega-se à média de 35% do
volume extraído na maioria dos poços do planeta.
A partir desse ponto, se estudos
das petrolíferas comprovarem que há viabilidade econômica, elas continuam
explorando o reservatório, injetando no poço surfactantes para fazer o
deslocamento do óleo residual. “Surfactante é um produto semelhante ao sabão
que altera as interfaces entre o óleo, a rocha e a água salgada, os três
componentes do sistema. Ele diminui as tensões interfaciais desses componentes
nos reservatórios, modificando a viscosidade do óleo e fazendo com que se
desloque mais facilmente”, explica Miranda. Essa substância, porém, apresenta
dois problemas. O primeiro é o custo elevado. A petrolífera precisa usar
grandes volumes de surfactante, o que implica uma complexa logística de
transporte, porque a maioria dos poços se encontra em lugares remotos. O
segundo problema é que surfactantes são intolerantes à alta salinidade e à
elevada temperatura. Nessas condições, eles precipitam, depositando-se na
superfície das rochas. Quando isso acontece, eles não alteram a viscosidade do
óleo residual, essencial para sua recuperação.
As pesquisas com uso de modelagem
computacional feitas por Miranda recaem justamente na escolha do melhor
material para fazer o papel de surfactante. O pesquisador estuda nanopartículas
capazes de auxiliar na extração de óleo e gás retidos em nanoporos e microporos
das rochas e, ao mesmo tempo, procura compreender o comportamento dessas
nanoestruturas. “Não sabemos o que ocorre com o petróleo ou o gás natural
quando eles estão confinados nos nanoporos. Sequer conhecemos o percentual de
óleo e gás retido neles”, diz Miranda.
O emprego da nanociência na
indústria do petróleo, segundo o professor da USP, surgiu em 2008 a partir de
uma demanda da Sociedade de Engenheiros do Petróleo (SPE, na sigla em inglês) e
se insere em um campo interdisciplinar mais amplo, a nanogeociência. Ela estuda
os fenômenos que ocorrem em nanoescala em materiais geológicos e tenta entender
os efeitos de sistemas nanoestruturados ou nanoconfinados em escalas maiores.
Segundo o pesquisador, em 2008 as nanopartículas de sílica já eram usadas
comercialmente em outras áreas, como biomedicina e catálise, na síntese de
novos materiais. “A questão era saber como essas nanoestruturas se comportariam
nas condições extremas dos reservatórios, onde a temperatura atinge 400oC
e a pressão ultrapassa 200 atmosferas (atm). Precisávamos saber se seriam
capazes de modificar a interação entre o óleo, a rocha e a salmoura”, explica.
“Nossos estudos indicaram que as nanopartículas de sílica poderiam ser
potencialmente utilizadas para extração do óleo.”
O trabalho também teve como
desafio tornar funcionais as nanopartículas de sílica com um surfactante, a fim
de potencializar sua ação. “A partir de simulações moleculares, tentamos
descobrir qual seria o melhor produto a ser adicionado na nanoestrutura, já que
existem muitos no mercado. A nanopartícula de sílica, em si, altera a interface
entre o óleo, a rocha e a salmoura, mas com o acréscimo de um surfactante essa
ação fica mais eficaz”, diz Miranda. “Queremos entender por que ele altera a
molhabilidade do óleo.” Molhabilidade é a capacidade de um líquido em manter
contato com uma superfície sólida quando os dois são colocados juntos.
“Recorremos à simulação em computador por causa do custo-benefício. Fazer os
ensaios dos surfactantes nos reservatórios seria custoso e demorado demais.” No
caso de funcionar com as nanopartículas de sílica, a quantidade e o custo do
surfactante serão bem menores em relação ao volume utilizado sozinho.
Outra vertente da pesquisa é
estudar nanoestruturas que possam ser empregadas para “iluminar” os campos de
petróleo, extraindo mais informações dos reservatórios, como, por exemplo,
detalhes sobre a porosidade das rochas, os fluidos presentes nelas, a
composição química e as condições de temperatura e pressão do ambiente. Essas
informações são essenciais para as tomadas de decisão da equipe de engenharia
de produção. O uso de nanopartículas, segundo Miranda, poderia aprimorar a
resposta da ressonância magnética feita durante a perfuração – a técnica é
empregada para mapeamento dos depósitos. Para isso, nanopartículas seriam
injetadas no poço junto com a água, servindo como agentes de contraste. “De uma
maneira geral, nossos estudos buscam uma melhor compreensão, em escala
molecular, dos mecanismos e fenômenos que ocorrem em poços de petróleo.
Queremos ter uma visão atomística do processo e verificar as consequências em
escalas maiores”, afirma.
Códigos computacionais
Três teses de doutorado, quatro dissertações de mestrado e mais de uma dezena de artigos foram produzidos nos últimos oito anos no âmbito das pesquisas de Caetano Miranda. Seu trabalho tem vinculação com um projeto de quatro anos financiado pela FAPESP e coordenado pelo físico Alex Antonelli, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Nosso projeto tem como finalidade estudar uma varidade de propriedades da matéria condensada por meio da modelagem computacional. Caetano utiliza as mesmas ferramentas que empregamos e, por isso, podemos compartilhar tanto os computadores quanto os códigos computacionais”, afirma Antonelli. “Em princípio, podemos compreender no computador, que funciona como um laboratório virtual, os processos já conhecidos e possivelmente melhorá-los de uma forma mais barata, sem ter que testar uma nova ideia na prática.”
Apoio das petrolíferas
Além da FAPESP, Miranda também recebe financiamento da Petrobras. Suas pesquisas se inserem no programa de Redes Temáticas da estatal, instituído em 2006 e executado em parceria com pesquisadores de universidades e instituições nacionais de pesquisa. “O trabalho do professor Caetano faz parte da Rede Temática Recuperação Avançada de Petróleo”, afirma a engenheira de petróleo Lua Selene Almeida, do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). “É um estudo muito avançado e de fronteira. Ele está nos ajudando a modelar fenômenos físicos que ocorrem nos poços de petróleo numa escala bem distinta daquela que estudamos em nossos laboratórios”, diz a pesquisadora.
Outra fonte de financiamento dos
estudos vem do Advanced Energy Consortium (AEC), consórcio internacional
de empresas do setor de petróleo, entre elas a anglo-holandesa Shell, a inglesa
British Petroleum (BP), a norueguesa Statoil, a espanhola Repsol, a francesa
Total e a Petrobras, voltado ao financiamento de nanociência aplicada à
indústria do petróleo. O projeto apoiado pela AEC contou com a participação de
pesquisadores da Universidade de Austin, no Texas, um importante centro de
estudos no setor de óleo e gás. “Enquanto nosso grupo fazia as simulações em
computador, eles se encarregavam da parte experimental”, diz Miranda,
destacando que testes laboratoriais e ensaios experimentais, etapas que
precedem aos experimentos com as nanopartículas de sílica nos campos de
petróleo, também serão realizados em breve no IF-USP.
“As simulações computacionais são
muito mais baratas e apresentam menos riscos do que os experimentos de
laboratório”, diz a química Flávia Cassiola, pesquisadora brasileira da Shell
Internacional, Produção e Exploração, em Houston, nos Estados Unidos. “A
indústria do petróleo tem todo o interesse que os métodos se aprimorem,
proporcionando a inclusão de mais características dos reservatórios na
simulação. A Shell possui vários grupos dedicados à simulação computacional em
seus centros de tecnologia e inovação e o professor Caetano é a nossa referência
no assunto. O trabalho dele tem nos auxiliado no desenvolvimento e
aprimoramento de métodos avançados de recuperação de petróleo e gás natural”,
diz Flávia.
Projeto
Modelagem computacional da matéria condensada: uma abordagem em múltiplas escalas (nº 2010/16970-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Alex Antonelli (IFGW-Unicamp); Investimento R$ 356.196,00 e US$ 225.400,00.
Modelagem computacional da matéria condensada: uma abordagem em múltiplas escalas (nº 2010/16970-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Alex Antonelli (IFGW-Unicamp); Investimento R$ 356.196,00 e US$ 225.400,00.
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