Um primo do Caribe
Fóssil de quelônio marinho de 12
milhões de anos encontrado na Venezuela é parente distante das tartarugas de
água doce da América do Sul
MARCOS PIVETTA | ED. 233 | JULHO 2015
Uma espécie de Madagascar e sete do norte da América
do Sul, todas de água doce, como a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), são as únicas formas vivas
remanescentes de uma família de quelônios denominada Podocnemididae. A maioria
das espécies conhecidas desse grupo desapareceu da Terra. Embora não haja
atualmente membros dessa família adaptados a ambientes marinhos, alguns fósseis
sugerem que houve linhagens de Podocnemididae de água salgada no passado
distante. Uma equipe de paleontólogos brasileiros e venezuelanos descreveu uma
nova espécie extinta de tartaruga, descoberta no norte da Venezuela, que
fornece mais evidências a favor dessa hipótese. Nas palavras dos pesquisadores,
aBairdemys thalassica, como foi batizada a espécie, que
viveu 12 milhões de anos atrás, faria parte da “última linhagem marinha” de
quelônios do grupo Podocnemididae. O nome foi escolhido para destacar o hábitat
da tartaruga: em grego, thalassa significa
mar. As informações sobre a espécie constam de artigo publicado no mês passado
na revista científica eletrônica PeerJ.
Os vestígios da B. thalassica consistem
em um crânio quase completo oriundo da caverna El Miedo, situada no Cerro
Misión, localidade distante menos de 40 quilômetros do mar do Caribe. Apesar de
há anos pertencer ao acervo do Laboratório de Paleontologia do Instituto
Venezuelano de Pesquisas Científicas, de Caracas, o fóssil só passou a ser
estudado em meados de 2013. “Eles não tinham um especialista em tartarugas para
trabalhar com o material”, afirma o paleontólogo Max Langer, professor da
Universidade de São Paulo (USP), campus de
Ribeirão Preto, um dos autores do artigo que apresenta a espécie. O pesquisador
brasileiro tinha: seu então aluno de mestrado (hoje doutorando) Gabriel de
Souza Ferreira, biólogo especializado em quelônios. Langer colabora com os
venezuelanos em razão de ser o coordenador de um projeto temático sobre a
origem e irradiação dos dinossauros, que o levou a fazer escavações conjuntas
no país vizinho. A oferta para estudar o fóssil de tartaruga lhe pareceu
interessante e Ferreira aceitou o desafio.
Dois tipos de evidências sinalizam que a B. thalassica era de água salgada: as
características do sítio fossilífero em que foi encontrada e detalhes
anatômicos da tartaruga. A caverna em que a espécie foi descoberta é rica em
carbonatos, que são tipicamente formados em ambientes marinhos. Além dos restos
do quelônio, as paredes da gruta El Miedo forneceram fósseis de cetáceos,
peixes e aves marinhas. Esses indícios reforçam a ideia de que as águas do
Caribe chegavam até ali. “A caverna estava em uma área sem influência do
continente”, diz Ferreira. “No Mioceno Médio, entre 16 e 11,6 milhões de anos
atrás, aquilo tudo estava embaixo do mar.” O ambiente em que foram achados os
fósseis das outras seis espécies do gênero extinto Bairdemys sinaliza que esses quelônios
apresentavam alguma tolerância a água salgada ou salobra e, possivelmente,
vivessem em áreas estuarinas, de transição entre rio e mar. “Em nenhum desses
casos é possível afirmar claramente, como estamos fazendo com base na B. thalassica, que essas tartarugas eram de mar
aberto”, afirma Langer.
A morfologia do fóssil venezuelano, cujo crânio
media cerca de 10 centímetros (cm), ligeiramente maior do que o das espécies
vivas de Podocnemididae, também fornece pistas de seus hábitos oceânicos. A
espécie apresentava uma expansão da superfície trituradora da maxila e da
mandíbula, isto é, um aumento da área usada para processar alimentos sólidos.
“Fizemos análises das medidas geométricas do crânio e acreditamos que essa
expansão seja uma adaptação à durofagia”, diz Ferreira. “Essa tartaruga devia
comer presas com conchas ou carapaças duras, como moluscos e crustáceos.” Entre
as espécies vivas de quelônios de água salgada, a tartaruga-comum (Caretta caretta), encontrada em todos os oceanos do globo,
também exibe anatomia adaptada à durofagia.
As espécies de tartarugas que hoje vivem nos mares
não apresentam nenhuma relação de parentesco com membros, extintos ou não, da
família Podocnemididae. Elas surgiram a partir de linhagens independentes de
quelônios, que se tornaram dominantes nos mares durante o Mioceno Médio,
justamente a época em que viveu aB. thalassica. É
possível que o desaparecimento, no ambiente oceânico, das tartarugas do grupo Podocnemididae
tenha relação com o surgimento e diversificação de outros quelônios adaptados à
vida marinha, dizem os pesquisadores da USP.
Projeto
A origem e irradiação dos dinossauros no Gondwana (Neotriássico – Eojurássico) (nº 2014/03825-3); Pesquisador responsável Max Langer (USP Ribeirão Preto);Modalidade Projeto Temático; Investimento R$ 1.587.258,45 (FAPESP). Artigo científico FERREIRA, G. S. et al. The last marine pelomedusoids (Testudines: Pleurodira): a new species of Bairdemys and the paleoecology of Stereogenyina. PeerJ. 30 jun. 2015.
A origem e irradiação dos dinossauros no Gondwana (Neotriássico – Eojurássico) (nº 2014/03825-3); Pesquisador responsável Max Langer (USP Ribeirão Preto);Modalidade Projeto Temático; Investimento R$ 1.587.258,45 (FAPESP). Artigo científico FERREIRA, G. S. et al. The last marine pelomedusoids (Testudines: Pleurodira): a new species of Bairdemys and the paleoecology of Stereogenyina. PeerJ. 30 jun. 2015.
0 Comentários