Saúde pública gobal





Zika em expansão



Sequenciamento confirma que variedade em circulação no país veio da Polinésia e projeção estima que deve se espalhar por outros países
RICARDO ZORZETTO | ED. 240 | FEVEREIRO 2016










 Embrião de galinha…

Duas equipes brasileiras completaram nas últimas semanas o sequenciamento do material genético do vírus zika isolado nos estados de São Paulo e da Paraíba. Os resultados sugerem que a variedade do zika em circulação em diferentes regiões brasileiras é mesmo originária da Polinésia Francesa, onde houve um surto em 2013 e 2014. Também indicam que o vírus possivelmente foi introduzido no Brasil em um único evento.

No Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, o virologista Renato Pereira de Souza e sua equipe sequenciaram o material genético do zika extraído de uma pessoa que desenvolveu a doença em Campinas. Esse indivíduo contraiu o vírus ao receber uma transfusão de sangue. O doador adoeceu dias mais tarde e avisou ao hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que estava com suspeita de dengue. Análises feitas no Adolfo Lutz descartaram a dengue e confirmaram a infecção por zika. “Os hemocentros terão de prestar atenção também a esse vírus, uma vez que muitos casos são assintomáticos”, afirma Souza. “No caso em questão, o vírus permaneceu viável e infectou outra pessoa”, conta o virologista, um dos coordenadores da análise, realizada em parceria com pesquisadores da Unicamp e da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, e aceito para publicação na revista Genome Announcements.
O sequenciamento do material genético do vírus revelou um genoma enxuto. São cerca de 10,6 mil unidades (nucleotídeos) compondo uma fita simples de ácido ribonucleico (RNA). Essa fita abriga ao todo apenas seis genes, capazes de produzir 10 diferentes proteínas – alguns genes são polivalentes. “A análise do genoma indica que o vírus é de uma linhagem muito próxima à que circulou na Polinésia Francesa e na Ilha de Páscoa”, conta Souza.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o virologista Amilcar Tanuri e sua equipe também sequenciaram o genoma do zika extraído do líquido amniótico de duas gestantes que tiveram bebês com microcefalia na Paraíba. As conclusões são as mesmas. “Não tenho dúvida de que é a mesma linhagem da Polinésia”, afirma Tanuri. Segundo o virologista carioca, a diferença entre o material genético do vírus em circulação aqui e o de lá é pequena, cerca de 20 nucleotídeos e apenas 1 dos 3.500 aminoácidos (unidades formadoras das proteínas). Tamanha semelhança, segundo ele, indica que o vírus está se espalhando muito rapidamente e foi introduzido uma única vez no Brasil. Tanuri conta ainda que o zika sequenciado no Rio tem grande similaridade com o vírus da dengue, em especial o sorotipo 4, o que pode dificultar o desenvolvimento de um kit de diagnóstico que identifique especificamente os anticorpos contra o zika. “Teremos de driblar essa semelhança na hora de produzir o teste”, diz.

 …e de zebrafish: modelos para estudar o desenvolvimento do sistema nervoso central

Do Brasil para o mundo

O vírus que assombra o mundo com a ameaça da microcefalia levou quase 70 anos para atravessar metade do globo. Mas em pouco tempo conquistou um potencial explosivo de disseminação. Sua capacidade de se espalhar parece ter aumentado nos últimos tempos, em especial depois de chegar ao Brasil, onde, segundo estimativas do governo, já infectou de 440 mil a 1,3 milhão de pessoas.

Adaptações sofridas pelo vírus durante a sua viagem a partir da África aparentemente facilitaram a sua reprodução no organismo humano. Essa característica, somada à alta mobilidade da população atual e ao fato de que o vírus costuma pegar carona no sangue humano sem ser notado (em 80% dos casos a infecção não provoca sintomas), está transformando o zika em uma dor de cabeça internacional. Em um breve artigo apresentado na edição de 23 de janeiro da revista Lancet, uma das mais importantes da área médica, um grupo de pesquisadores do Canadá, dos Estados Unidos e da Inglaterra prevê um cenário de rápido espalhamento do zika por regiões com elevada concentração de pessoas nas Américas e na Europa.

A equipe chefiada pelo médico Kamran Khan, infectologista da Universidade de Toronto que investiga o espalhamento de doenças por viajantes, usou um modelo matemático que reproduz os surtos de dengue para estimar a capacidade de disseminação do zika. Os pesquisadores alimentaram o modelo com informações sobre as áreas de ocorrência atual dos mosquitos do gênero Aedes, que, além do zika, transmitem também os vírus da febre amarela, da dengue e da chikungunya, e as regiões com clima favorável à proliferação dos insetos. Com esses dados, eles conseguiram ter uma ideia de onde haveria condições favoráveis para o zika se espalhar, caso chegasse lá.

Numa etapa seguinte, os pesquisadores precisaram calcular a probabilidade de o vírus alcançar as regiões onde vive seu transmissor – o Aedes aegypti, nas Américas e na África, e o Aedes albopictus, na Ásia e na Europa. Para isso, mapearam o destino internacional de pessoas que entre setembro de 2014 e agosto de 2015 estiveram em regiões do Brasil onde havia transmissão de zika.

Nesse período, quase 10 milhões de pessoas viajaram para o exterior a partir de 146 aeroportos brasileiros situados em áreas onde circulava o vírus. Cerca de 6,5 milhões de pessoas (65% do total) foram para países das Américas do Sul e do Norte. Outros 27% viajaram para a Europa e 5% para a Ásia. Só os Estados Unidos receberam 2,8 milhões de pessoas vindas do Brasil, enquanto a Argentina acolheu 1,3 milhão e o Chile, 614 mil. Na Europa os destinos mais comuns foram Itália, Portugal e França, cada um recebendo 400 mil pessoas. Algumas dezenas de milhares também foram para a Ásia, em especial a China, e para a África, principalmente Angola.

Esse cenário preocupa as autoridades da saúde por várias razões. Em primeiro lugar, porque algumas regiões que receberam os viajantes abrigam uma elevada concentração de pessoas. “Mais de 60% da população da Argentina, da Itália e dos Estados Unidos vive em regiões favoráveis à transmissão sazonal do vírus”, escreveram os pesquisadores. No México, na Colômbia e também nos Estados Unidos entre 23 milhões e 30 milhões de habitantes estariam ainda em áreas com risco de transmissão contínua, nas quais insetos podem espalhar o vírus durante o ano todo.

O segundo motivo de inquietação é que o zika parece ter adquirido a capacidade de infectar mais facilmente o organismo humano no longo e lento caminho que percorreu na Ásia, desde que deixou as florestas de Uganda por volta de 1945, até chegar à Polinésia Francesa em 2013, de onde alcançou o Brasil. Nessa travessia, mapeada recentemente pelo biomédico Caio de Melo Freire, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e colegas da USP e do Instituto Pasteur no Senegal, o vírus se humanizou: alguns de seus genes hoje contêm receitas para fazer proteínas mais compatíveis com o organismo humano, o que facilita a infecção (ver Pesquisa FAPESP nº 239). “Isso pode ter ocorrido porque ao longo dessa viagem o vírus circulou entre poucos vetores, provavelmente o ser humano e o inseto”, explica o biólogo Atila Iamarino, coautor do estudo. Membro da equipe da USP, Iamarino também faz divulgação científica e, com a zoóloga Sônia Carvalho Lopes, coordenou a produção de um material disponível no site Wikiversidade com orientações para professores do ensino básico e médio auxiliarem os alunos a desmentir boatos sobre o zika disseminados pela internet.

Enquanto o vírus avança, pesquisadores de todo o Brasil seguem com seus estudos para tentar entender o que o zika causa no organismo humano e como poderia provocar os casos de microcefalia a ele atribuídos. De 22 de outubro de 2015 a 30 de janeiro deste ano, o Ministério da Saúde registrou o nascimento de 4.783 bebês com suspeita de ter microcefalia (antes da epidemia de zika a notificação não era obrigatória).

Dos 1.113 casos já analisados, 404 foram confirmados. Esses bebês têm de fato o cérebro pequeno demais para a idade e, além dos sintomas clínicos, apresentam sinais de lesão cerebral compatíveis com os de uma infecção adquirida durante a gestação (congênita). Até agora, porém, só se conseguiu comprovar a infecção por zika em 17 dos 404 casos de microcefalia – os outros 387 dependem da realização de testes imunológicos, ainda não disponíveis, para descartar de vez essa associação.

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