O começo
da transição
Acordo em Paris sobre mudanças
climáticas prevê compromisso global para limitar aumento da temperatura e mira
uma economia de baixo carbono
FABRÍCIO
MARQUES | ED. 239 | JANEIRO 2016
A comemoração do acordo na capital francesa, no dia
12 de dezembro: objetivos ousados no primeiro pacto climático celebrado desde o
Protocolo de Kyoto
Na manhã de sábado, dia 12 de
dezembro, representantes de 195 nações reu-nidos na 21ª Conferência do Clima
(COP-21) aprovaram na capital da França um acordo histórico em que se
comprometem a adotar medidas para combater as mudanças climáticas. O Acordo de
Paris estabelece um esforço internacional para assegurar que o aumento da
temperatura global não supere os 2 graus Celsius (°C), em comparação aos níveis
pré-industriais, com a ambição de que fique abaixo do 1,5°C, patamar capaz de
reduzir os riscos e impactos das mudanças climáticas. Também prevê que os
países ricos destinarão US$ 100 bilhões por ano em ajuda aos países pobres. Se
tiver êxito, na segunda metade deste século o planeta terá reduzido o uso de
combustíveis fósseis e as emissões remanescentes serão compensadas pela
absorção de CO2 por reflorestamento e por técnicas capazes de
capturar o gás da atmosfera e armazená-lo. “O Acordo de Paris é um triunfo para
as pessoas, para o meio ambiente e para o multilateralismo. É um seguro de
saúde para o planeta”, afirmou o secretário-geral da Organização das Nações
Unidas, Ban Ki-moon, comemorando o pioneirismo de um pacto climático que envolve
grande número de países.
Os países se obrigam a apresentar
metas, que estão sujeitas a revisões periódicas, e a comunicar o que estão
fazendo para atingi-las. Serão cobrados pela opinião pública e pelas entidades
ambientalistas se não cumprirem o que prometeram, mas, caso isso aconteça, não
sofrerão penalidades. As obrigações geradas pelo acordo estão relacionadas a
esse processo de comunicação e revisão, não à execução das metas. Nesse
sentido, o Acordo de Paris produz uma vinculação mais fraca do que o Protocolo
de Kyoto, que determinava patamares legalmente obrigatórios de cortes de
emissões de gases estufa. O formato do Acordo de Paris resultou do aprendizado
com o fracasso de Kyoto, que, assinado em 1997, jamais foi ratificado pelo
Congresso dos Estados Unidos e não conseguiu evitar que a China, a despeito da
pressão internacional, utilizasse crescentemente o carvão como matriz
energética até se tornar o principal país emissor de gases de efeito estufa do
planeta.
Em Paris, os países levaram metas
quantitativas voluntárias e unilaterais de redução de emissões até 2025 ou
2030, as “pretendidas contribuições nacionalmente determinadas” (que ganharam a
sigla INDCs). “Cada país teve de se colocar e apresentar seus compromissos”,
diz Gilberto Câmara, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças
Climáticas Globais, que esteve em Paris durante a conferência.
As metas voluntárias têm menos
força do que protocolos vinculantes, mas os INDCs foram construídos sobre bases
realistas. No caso do Brasil, basearam-se na redução do ritmo de desmatamento
na Amazônia observado nos últimos anos e na recomposição das florestas prevista
no Código Florestal. O Brasil espera que em 2030 possa zerar as emissões
decorrentes de desmatamento. Estados Unidos e China, por sua vez, já haviam
assinado um acordo em 2014 que prevê o corte de emissões. “O que houve foi um
amadurecimento das políticas internas dos países em relação ao aquecimento global”,
escreveu o físico José Goldemberg, presidente da FAPESP, em artigo no jornal O
Estado de S.Paulo. “Os que achavam que o campo de batalha seriam as
conferências do clima, nas quais se reúnem os chefes de Estado e as decisões
são tomadas, perceberam que a verdadeira batalha deveria ser travada dentro de
cada país, onde políticas internas eram decididas e adotadas.”
Em lugar de decisões
multilaterais “de cima para baixo”, observou Goldemberg, foram adotadas
políticas unilaterais “de baixo para cima”. “O governo da China percebeu que o
uso ilimitado de carvão, como base de seu desenvolvimento econômico, deteriorou
seriamente a qualidade do ar nas grandes cidades chinesas. Por essas razões
decidiu que até 2030 – ou mesmo antes disso – o uso de carvão não aumentará
mais e começará a declinar. E o Brasil, num esforço interno que envolveu o
governo, o movimento ambientalista e as grandes empresas, reduziu
consideravelmente o desmatamento da Amazônia.”
O papel dos Estados Unidos foi
fundamental para evitar a repetição em Paris do fracasso da Conferência de
Copenhague, em 2010, convocada para estabelecer um tratado pós-Kyoto, mas que
terminou sem acordo. “Há cinco anos, o presidente Barack Obama estava ainda em
seu primeiro mandato e não tinha a noção de urgência que tem hoje”, afirma
Gilberto Câmara. “Nos últimos anos, Obama fez acordos bilaterais com a China, o
Brasil e a Índia. Também obteve uma vitória na Suprema Corte, que decidiu que o
dióxido de carbono é poluente e, portanto, está sob a alçada da agência ambiental
do país, sem a necessidade de passar pelo crivo do Congresso.” Câmara aponta
outras duas mudanças no tabuleiro geopolítico: “A queda dos governos
conservadores no Canadá e na Austrália ajudou o mundo desenvolvido a agir de
modo mais consistente”.
Somados, os INDCs apresentados em
Paris são insuficientes para deter o aumento da temperatura a menos de 2,7°C.
Ainda assim, os países aceitaram se mobilizar para que o aumento não ultrapasse
o 1,5°C, o que exigirá esforços que vão muito além dos previstos no acordo,
além do monitoramento e a revisão das metas periodicamente. O Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) fará um estudo nos próximos
dois anos para identificar o impacto do aumento de temperatura de 1,5°C e o
corte de emissões para atingir essa meta. “Na prática, nós já passamos de 1,5°C
e seria necessário que, milagrosamente, zerássemos as emissões amanhã para
conseguir nos aproximar desse objetivo”, diz o climatologista Carlos Nobre,
ex-coordenador científico do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças
Climáticas Globais. “Estabelecer 1,5°C como limite é perceber os riscos
representados por superar essa margem e criar um esforço coletivo global para
reduzir esses riscos”, afirma o pesquisador, que atualmente é presidente da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O Brasil participou das
negociações de modo ativo. A ministra do meio ambiente, Isabela Teixeira, e o
ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Alberto Figueiredo Machado, diplomata
com grande experiência em negociações sobre o clima, foram convidados pelo
presidente da COP-21 a arregimentar apoios. No início da conferência, o Brasil
perfilou-se na Coalizão de Alta Ambição da conferência, iniciativa proposta
pelas Ilhas Marshall, uma das pequenas nações insulares do oceano Pacífico
ameaçadas pelo aumento do nível dos oceanos, que atraiu mais de 100 países,
incluindo os Estados Unidos e a União Europeia. “O Brasil se descolou dos
demais Brics, com quem não tem afinidade na questão climática, e abriu mão de
ser porta-voz dos países pobres, diferentemente de sua postura em outras
conferências. Com isso, pôde se integrar ao grupo de alta ambição, que brigava
para ter o melhor acordo possível em Paris”, diz Gilberto Câmara.
“Com o mundo se comprometendo a
se descarbonizar, o Brasil terá de rever a ideia de que a exploração de
petróleo da camada pré-sal irá redimir a economia brasileira. Não é possível
estar na coalizão de altas ambições e, ao mesmo tempo, cogitar vender 6 milhões
de barris de petróleo por dia”, afirma o pesquisador. Ao mesmo tempo, observa
Câmara, o Brasil terá a oportunidade de atrair investimentos para recompor
áreas desmatadas e ajudar no aumento da absorção do carbono da atmosfera. “A
recomposição de áreas devastadas ilegalmente, prevista pelo novo Código
Florestal, mostra que podemos nos organizar para receber fluxos de investimento
e nos tornarmos um sumidouro de carbono. E temos grande potencial para expandir
a produção de energias renováveis no país.”
Gilberto Câmara (com microfone) e a ministra
Isabela Teixeira (dir.), em Paris: Brasil perfilou-se com a Coalizão de
Alta Ambição
Mas quais são as chances de obter
um corte de emissões radical nos próximos anos? Na avaliação de Carlos Nobre,
há tecnologia disponível para fazer a transição a uma economia de baixo carbono
nos próximos anos. “O desafio é gigantesco, mas não é impossível, porque
energias limpas, tais como a eólica e a solar, estão se tornando cada vez mais
competitivas”, afirma. “Não parece provável, por exemplo, que eliminemos as
termelétricas no curto e no médio prazo, mas há uma tentativa de evitar que o
efluente da geração térmica chegue à atmosfera.” Ele admite, contudo, que os
entraves não se limitam a eventuais gargalos tecnológicos e à necessidade de
grandes investimentos. “A energia fóssil é responsável por 20% do PIB mundial e
consome, só em subsídios, US$ 700 bilhões por ano. Isso é sete vezes mais do
que os US$ 100 bilhões que os países desenvolvidos destinarão para ajudar os
mais pobres a enfrentar as mudanças climáticas”, diz. “Não é ainda possível
avaliar ao certo a velocidade com que iremos caminhar para uma economia de
baixo carbono.”
José Goldemberg observa que, nos
países industrializados, sobretudo na Europa, o uso mais eficiente de energia é
o caminho mais promissor para reduzir as emissões, uma vez que a energia que
consomem, derivada de combustíveis fósseis, é muito elevada. “Nos países em
desenvolvimento, onde o consumo per capita é baixo, é
inevitável que ele cresça, mas o que cabe fazer é que esse crescimento
incorpore as tecnologias mais eficientes e, principalmente, o uso das energias
renováveis”, afirmou ele, que era ministro do Meio Ambiente durante a
Conferência Rio-92.
O acordo de Paris também foi
marcado pela valorização do conhecimento científico. “Em 2010, a Conferência de
Copenhague refletiu apenas parcialmente os resultados do quarto relatório do
IPCC, lançado três anos antes, ao estabelecer certo limite de referência para o
aumento de temperatura, de cerca de 2°C”, diz Carlos Nobre. “Já os negociadores
de Paris levaram em conta os resultados do quinto relatório, de 2013, segundo o
qual 2°C apresentam muitos riscos.” Para Nobre, um dos resultados mais
significativos da COP-21 é que a conferência acompanhou a ciência.
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